Morte depois do espetáculo.
(notícia publicada no
portal de notícias G1)
Uma
bela onça exibida em passagem da tocha
por Manaus foi morta com um tiro pouco tempo depois.
A morte de Juma, a
onça que participou de uma cerimônia com a tocha olímpica em Manaus, revela o
drama de uma espécie ameaçada de extinção e gera questionamentos sobre a
manutenção de animais selvagens em centros do Exército na Amazônia.
A onça Juma foi
abatida com um tiro de pistola no Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs)
logo após ser exibida no evento olímpico. Como outra onça, apelidada de Simba,
ela havia sido acorrentada e apresentada ao público durante a cerimônia.
O Exército mantém
várias onças em cativeiro na Amazônia. Os felinos ─ bem como animais de outras
espécies ─ costumam ser adotados pelo órgão ao serem encontrados em cativeiro
ou em poder de caçadores.
Muitas onças, como
Juma, se tornam mascotes dos batalhões e passam por sessões de treinamento. Em
Manaus, os felinos são presença frequente em desfiles militares, prática
condenada por biólogos e veterinários.
Em 2014, durante
gravação de um documentário em Manaus, militares do Cigs mostraram Juma, a
mascote do centro, à BBC Brasil. Na época, explicaram que a onça havia sido
resgatada com ferimentos após sua mãe ter sido morta. Foi levada para o centro
e ali cresceu sob os cuidados de tratadores.
O destino trágico
de Juma chama a atenção para a situação cada vez mais precária da espécie,
listada como ameaçada no Brasil pelo Ibama em 2003.
É um animal que
exige extensas áreas preservadas para sobreviver, caçando espécies como
capivaras e até jacarés. Ela vem sendo ameaçada pelo desmatamento, não apenas
na Amazônia como também no Pantanal e no Cerrado, para abrir espaço para a
expansão da atividade agropecuária.
Em nota enviada ao site da agência local de notícias Amazônia Real, o Comando Militar da Amazônia (CMA) diz que, após a solenidade olímpica na segunda, Juma escapou dentro do zoológico do centro do Exército. O órgão afirma que um grupo de veterinários e militares tentou recapturá-la com tranquilizantes, mas que, mesmo atingido, o animal avançou sobre um soldado.
"Como
procedimento de segurança, visando a proteger a integridade física do militar e
da equipe de tratadores, foi realizado um tiro de pistola no animal, que veio a
falecer", diz o órgão.
Segundo o Amazônia
Real, dois militares seguravam a corrente presa a Juma durante todo o evento. O
site diz que muitas pessoas tiraram fotos com a onça na cerimônia. Ela teria
fugido logo após a exibição, quando militares tentavam colocá-la numa
caminhonete.
O Exército diz que
abriu um processo administrativo para investigar a morte do felino. Segundo o
Amazônia Real, o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam)
não havia autorizado a participação de Juma no evento e poderá multar a
corporação.
Para João Paulo
Castro, biólogo com mestrado em comportamento animal pela Universidade de
Brasília, Juma pode ter fugido após se estressar durante o evento.
"Não é
saudável nem recomendável submeter um animal a uma situação como essas, com
barulho e muitas pessoas em volta", ele diz à BBC Brasil.
"Muitas vezes
a onça já vive numa situação precária e estressante no cativeiro, o que é
agravado num cenário de agitação."
Castro diz que
muitos batalhões do Exército na Amazônia mantém onças em cativeiro. Ele afirma
ter visitado um centro que mantinha um felino em Cruzeiro do Sul (AC) em
condições "bem toscas".
Segundo Castro, é
um erro tratar onças como animais domesticáveis. Ele afirma que são necessárias
várias gerações em cativeiro para que uma espécie se acostume a conviver com
humanos.
O biólogo diz que,
idealmente, onças apreendidas devem ser devolvidas à natureza ou levadas a
refúgios, onde possam ficar soltas em amplos espaços.
Segundo ele, a
soltura de felinos é um processo complexo, mas há casos bem sucedidos pelo
mundo ─ como o de tigres devolvidos a florestas na Ásia.
Horas antes da
morte de Juma, a BBC Brasil pediu ao Exército detalhes sobre a manutenção de
animais selvagens em dependências do órgão na Amazônia. Não houve resposta até
a publicação desta reportagem.
Um veterinário de
Manaus que já trabalhou com o Exército e pediu para não ser identificado
defendeu o órgão das críticas. Segundo ele, ao cuidar de animais resgatados, a
corporação assume uma função que deveria ser de outros órgãos públicos.
Ele diz que os
militares são muito cuidadosos com os animais e que a burocracia impede que
muitos sejam devolvidos à natureza.
O veterinário
afirma ainda que grande parte das onças resgatadas chegam ao órgão ainda
filhotes e se tornam dependentes dos cuidadores, o que torna difícil sua
soltura.
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